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Continue Faminto, Continue Tolo

16 Jun 2005

O Wired News informa que Steve Jobs fez um discurso para formandos da Universidade de Stanford, e, de fato, a íntegra do discurso já foi postada na Internet.

Ao contrário de outros discursos do gênero, eu achei este tão bacana que resolvi fazer uma tradução livre (não livre como em “software”, mas livre como em “meio nas coxas, mas dá pra encarar”). Segue:

[**UPDATE: **O discurso (em inglês) está disponível em vídeo no YouTube. Também aproveitei pra melhorar um bocadinho a tradução.]

Obrigado. Me sinto honrado por estar com vocês hoje para sua formatura em uma das melhores universidades do mundo. Para dizer a verdade, eu nunca me formei, e isto é o mais perto que eu já estive de uma formatura.

Hoje eu quero contar a vocês três histórias da minha vida. Só isso. Nada de mais. Só três histórias.

A primeira história é sobre ligar os pontos.

Eu me desliguei da Faculdade Reed depois dos primeiros seis meses, mas fiquei por perto como visitante por uns dezoito meses antes de realmente abandoná-la. Então, por que eu saí?

Isso começou antes do meu nascimento. Minha mãe biológica era uma jovem (e solteira) estudante de graduação, e decidiu me inscrever para adoção. Ela tinha um sentimento forte de que eu deveria ser adotado por pessoas formadas, então tudo foi acertado para que eu fosse adotado ao nascer por um advogado e sua esposa, só que quando eu vim ao mundo eles decidiram que queriam uma garotinha. Daí meus pais, que estavam numa lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite, perguntando: “Nós temos um bebê (menino) inesperado. Vocês querem ele?” Eles disseram “Claro.” Minha mãe biológica descobriu mais tarde que minha mãe jamais se formou na faculdade e que meu pai sequer se formou no segundo grau. Ela se recusou a assinar os documentos finais de adoção. Ela só reconsiderou alguns meses depois quando meus pais prometeram que eu iria para a faculdade.

E dezessete anos depois, eu fui para a faculdade, mas eu inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford, e todas as economias dos meus pais da “classe trabalhadora” estavam sendo gastas na mensalidade. Depois de seis meses, eu não consegui enxergar valor nisso. Eu não tinha idéia do que queria fazer com a minha vida, e nenhuma idéia de como a faculdade iria me ajudar a descobrir, e lá estava eu, gastando todo o dinheiro que meus pais economizaram a vida toda. Então eu decidi sair, e acreditei que tudo correria bem. Foi bastante assustador naquela época, mas olhando em retrospectiva, foi uma das melhores decisões que eu já tomei. No minuto em que eu desisti, eu parei de freqüentar as matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a entrar naquelas que pareciam mais interessantes.

Nem tudo foram flores. Eu não tinha um alojamento, então eu dormia no chão dos alojamentos dos amigos. Eu devolvia garrafas de Coca-Cola em troca do depósito de cinco centavos para comprar comida, e todo sábado à noite eu atravessava onze quilômetros na cidade a pé para comer uma refeição decente por semana no templo Hare Krishna. Eu adorei. E muito do que eu encontrei seguindo minha curiosidade e intuição acabou se mostrando sem preço mais tarde. Me deixem dar um exemplo.

Naquela época, a Faucludade Reed oferecia o que talvez fosse o melhor ensino de caligrafia no país. Em todo o campus, cada cartaz, cada etiqueta em cada gaveta era graciosamente escrita a mão. Como eu havia abandonado o curso e não tinha que ir às aulas regulares, decidi tomar uma aula de caligrafia para aprender como fazer isto. Eu aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre a variação da quantidade de espaço entre as diferentes combinações de letra, sobre o que torna ótima a tipografia ótima. Era belo, histórico e e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode capturar, e eu achei isso fascinante.

Nada disso teve qualquer aplicação prática na minha vida. Mas dez anos depois, quando estávamos projetando o primeiro computador Macintosh, tudo isso veio a mim, e nós colocamos tudo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse aparecido naquela única matéria na faculdade, o Mac nunca teria tido múltiplas fontes ou fontes de espaçamento proporcional, e já que o Windows simplesmente copiou o Mac, é provável que nenhum computador pessoal as tivesse.

Se eu não tivesse abandonado a faculdade, eu nunca teria entrado naquela aula de caligrafia, e os computadores pessoais poderiam não ter a maravilhosa tipografia que têm. Claro que era impossível ligar os pontos olhando para a frente quando eu estava na faculdade, mas ficou muito, muito claro quando olhei para trás 10 anos depois.

Repetindo: você não liga os pontos olhando para a frente. Você só consegue ligá-los olhando para trás, então você tem que acreditar que os pontos vão se ligar de alguma forma no seu futuro. Você tem que acreditar em algo – sua coragem, destino, vida, karma, que seja – porque acreditar que os pontos vão se ligar no seu caminho vai lhe dar a confiança para seguir seu coração, mesmo quando ele te guia para longe do caminho seguro, e isso vai fazer toda a diferença.

Minha segunda história é sobre amor e perda.

Eu tive sorte. Eu descobri o que eu amava fazer muito cedo na vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha vinte anos. Nós trabalhamos duro e em dez anos a Apple, de nós dois numa garagem, tornou-se uma empresa de US$ 2 bilhões com mais de 4.000 funcionários. Nós tínhamos acabado de lançar nossa melhor criação, o Macintosh, um ano antes disso. Eu tinha acabado de fazer 30 anos, e aí fui demitido. Como você pode ser demitido de uma empresa que criou? Bem, à medida que a Apple cresceu, nós contratamos alguém que eu achava muito talentoso para tocar a empresa comigo, e lá pelo primeiro ano, as coisas iam bem. Mas aí nossas visões do futuro começaram a divergir, e no final das contas nós nos confrontamos. Quando isso aconteceu, a diretoria ficou do lado dele, e com isso, aos trinta eu estava fora – e bem publicamente fora. O que havia sido o foco de toda a minha vida adulta se foi, e isso foi devastador.

Eu realmente não soube o que fazer durante alguns meses. Eu me sentia como se tivesse decepcionado a geração anterior de empreendedores, como se eu tivesse deixado o bastão cair quando ele foi passado para mim. Eu encontrei com David Packard e Bob Noyce e tentei pedir desculpas por ferrar tanto com tudo. Eu era um fracasso bastante público, e pensei até em deixar o Vale do Silício. Mas lentamente algo começou a nascer em mim. Eu ainda amava o que eu fazia. A virada de mesa na Apple não havia mudado isso nem um pouquinho. Eu tinha tomado um fora, mas ainda estava apaixonado. E assim resolvi começar de novo.

Eu não vi isso na época, mas o que aconteceu foi que ser despedido da Apple foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo. O peso do sucesso foi substituído pela leveza de ser novamente um iniciante, com menos certezas sobretudo. Isso me libertou para que eu pudesse entrar em um dos períodos mais criativos da minha vida.

Nos cinco anos seguintes eu criei uma empresa chamada NeXT, outra empresa chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher incrível, que viria a se tornar minha esposa. A Pixar seguiu e criou o primeiro longa-metragem feito em computação gráfica, “Toy Story”, e hoje é o estúdio de animação de maior sucesso do mundo.

Numa virada memorável dos acontecimentos, a Apple comprou a NeXT, e eu voltei para a Apple, e a tecnologia que nós desenvolvemos na NeXT está no coração da atual renascença da Apple, e Lorene e eu temos juntos uma fantástica família.

Eu tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple. Foi um remédio amargo, mas eu acho que o paciente precisava dele. Às vezes a vida vai te acertar um tijolo na cabeça. Não perca a fé. Eu estou convencido de que a única coisa que me manteve prosseguindo foi que eu amava o que fazia. Você tem que descobrir o que ama, e isso é tão válido para o trabalho quanto para as pessoas que ama. Seu trabalho vai preencher uma boa parte da sua vida, e a única maneira de se tornar plenamente satisfeito é fazer o que você acredita ser um trabalho ótimo, e a única maneira de fazer um ótimo trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não descobriu o que é, continue procurando, e não se acomode. Como tudo o que envolve o coração, você vai saber quando tiver encontrado, e como em qualquer relacionamento ótimo, as coisas só vão melhorando à medida que os anos passam. Então continue procurando. Não se acomode.

Minha terceira história é sobre morte.

Quando eu tinha 17 anos eu li uma citação que era algo do tipo “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia você seguramente estará certo.” Isso me deixou impressionado, e, desde então, nos últimos 33 anos, eu olhei no espelho todas as manhãs e me perguntei, “Se hoje fosse o último dia da minha vida, eu gostaria de fazer o que vou fazer hoje?” E sempre que a resposta fosse “não” durante muitos dias seguidos, eu sabia que precisava mudar alguma coisa.

Lembrar que estarei morto em breve é a coisa mais importante que eu encontrei para me ajudar nas grandes escolhas da vida, porque quase tudo – todas as expectativas externas, todo o orgulho, todo o medo de passar vergonha ou de fracassar – essas coisas simplesmente caem por terra diante da morte, deixando apenas o que é importante de verdade. Lembrar que você vai morrer é o melhor jeito que eu conheço de evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há motivo para não seguir seu coração.

Há cerca de um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Eu passei por um exame às 7:30 da manhã e ele mostrava claramente um tumor no meu pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas. Os médicos me disseram que isso era quase certamente um tipo incurável de câncer, e que eu não deveria esperar viver mais do que três ou seis meses. Meu médico me aconselhou a ir para casa e colocar os meus assuntos em ordem, o que é um código dos médicos para “prepare-se para morrer.” Isso significa tentar dizer aos seus filhos tudo o que você achava que teria dez anos para dizezr, em apenas alguns meses. Isso significa ter certeza de que tudo está arranjado para que o processo seja tão fácil quanto for possível para sua família. Isso significa fazer as suas despedidas.

Eu vivi com este diagnóstico o dia todo. No final da tarde eu fiz uma biópsia na qual eles enfiaram um endoscópio na minha garganta, atravessando meu estômago até o intestino, puseram uma agulha no meu pâncreas e extraíram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, me disse que quando eles viram as células no microscópio, o médico começou a chorar, porque no final se tratava de uma forma muito rara de câncer pancreático que era curável com cirurgia. Eu passei pela cirurgia, e, felizmente, hoje estou bem.

Isso foi o mais perto que eu cheguei de encarar a morte, e espero que seja o mais perto que eu chegue por mais algumas décadas. Tendo passado por isso, eu posso falar isso agora para vocês com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito útil, porém meramente intelectual.

Ninguém quer morrer, até as pessoas que querem ir para o Céu não querem morrer para chegar lá, e, no entanto, a morte é o destino que todos compartilhamos. Ninguém jamais escapou dela. E é assim que as coisas têm que ser, porque a morte é provavelmente a melhor de todas as invenções da vida. É o agente de mudança da vida; ela remove o velho para dar espaço ao novo. Neste momento, vocês são o novo. Mas algum dia, não muito distante de hoje, vocês vão gradualmente se tornar o velho e serão removidos. Desculpem por ser tão dramático, mas é a pura verdade.

Seu tempo é limitado, então não o desperdicem vivendo a vida de outra pessoa. Não caiam na armadilha do dogma, que é viver com os resultados dos pensamentos de outras pessoas. Não deixem o barulho das opiniões dos outros sufucar a sua própria voz interna, seu coração e sua intuição. Eles já sabem, de alguma forma o que você quer realmente se tornar. Todo o resto é secundário.

Quando eu era jovem, havia uma publicação incrível chamada The Whole Earth Catalog (Catálogo de Toda a Terra), que era uma das bíblias da minha geração. Ela foi criada por um cara chaamdo Stewart Brand não muito longe daqui, em Menlo Park, e ele a trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos sessenta, antes dos computadores pessoais e da editoração eletrônica, então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid. Era uma espécie de Google impresso, trinta e cinco anos antes do Google surgir. Era idealista, transbordando com ferramentas legais e grandes noções.

Stewart e sua equipe publicaram várias edições do The Whole Earth Catalog, e quando a obra tinha concluído sua missão, eles publicaram uma última edição. Era o meio dos anos 70 e eu tinha a idade de vocês. Na contracapa do último número havia uma foto de uma estrada no campo pela manhã, o tipo de estrada em que você se encontraria pedindo carona se fosse tão aventureiro. Abaixo estavam as palavras “Continue faminto, continue tolo.” Essa foi a mensagem de despedida deles quando deixaram o barco. “Continue faminto, continue tolo.” E eu sempre desejei isso para mim mesmo, e agora, que vocês se formaram para começar do zero, eu desejo isso para vocês.

Continuem famintos, continuem tolos.

Obrigado.

Comments


fátima

vc pode me dizer o que significa : continuem famintos, continuem tolos??? Nâo entendi.

Meu email mfdc36@uol.com.br



Maria Eddy

Inspirador ... É engraçado como certas coisas que parecem uma grande desgraça, nas mãos de uma pessoa criativa, vira um grande negócio.

Obrigada pela tradução!

Chester

De nada! E sem dúvida, transformar dificuldades em motivação é uma arte para poucos. Ainda estou chocado com o falecimento dele.