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Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas

15 Jan 2009

Comecei a ler este livro anos atrás, mas acabei não terminando, e retomei ele após ler o recém-comentado Os Vagabundos Iluminados, já que ambos são histórias semi-autobiográficas nas quais o zen-budismo exerce influência num contexto urbano ocidental (especificamente, nos EUA).

Mas a semelhança termina aí. O livro do Kerouac é um desfile de personagens, que não pretende ensinar muito (até porque é questionável se os protagonistas realmente tinham muito o que ensinar). Já o Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas é mais profundo: seu objetivo é analisar diversos temas filosóficos (tais como teoria do conhecimento, ética e filosofia da ciência) usando como pano de fundo a viagem de moto que o autor faz com seu filho Chris e com um casal de amigos.

A narração da viagem é intercalada com considerações sobre os temas expostos – uma das primeiras é a comparação entre a visão “romântica” do conhecimento (que estaria interessada na forma superficial e nas relações entre as coisas) e a “clássica” (mais centrada na composição e no funcionamento subjacente). É fácil enxergar aí o conflito entre humanas e exatas, entre gente que tem pavor da tecnologia (personificada no livro pela mecânica de motocicletas) e os geeks que conseguem encontrar a beleza nisso – não é à toa que faz parte da lista de livros recomendados por Joel Spolsky para programadores que levam o ofício a sério.

O autor alega que esta distinção não é tão natural quanto parece, e retrocede aos gregos para demonstrar este argumento. Segundo ele, é necessário reconciliar estas visões para sustentar, entre outras coisas, a universalidade e confiabilidade do conhecimento científico, e para tanto ele propõe o uso do conceito de “Qualidade” – algo que que todos nós conhecemos mas quase ninguém é capaz de definir com clareza (de fato, uma das proposições centrais é que o conceito não é passível de definição).

Nesta busca, o leitor vai descobrindo que o autor é assombrado por Fedro, um “fantasma” do passado, cuja natureza vai se revelando, e que enriquece os dois lados da história – os discursos filosóficos ganham um contraponto, permitindo diálogos no estilo Sócrates/Platão; e a história da viagem se revela como a busca pela reconciliação do autor com seu passado (Fedro) e futuro (Chris).

Um ponto digno de nota é como ele expõe de maneira extremamente acessível a não-iniciados questões espinhosas, tais como a da origem sensorial do conhecimento – contrapondo o empirismo em Hume (para quem, grosso modo, o conhecimento é produto direto da experiência) e a visão mais equilibrada de Kant (que resgata o conceito de conhecimento a priori, pondo-o à luz do mundo sensorial). Outro tema no qual verifica-se a qualidade da sua oratória é quando ele explica a ameaça que a descoberta de geometrias não-Euclidianas representou para a estrutura do conhecimento vigente até então.

Ao final, o leitor pode ou não concordar com a tese do autor. Mas seguramente sairá da leitura com uma noção menos nublada e preconceituosa das diferentes maneiras de enxergar o conhecimento humano. E como brinde vem um enredo bem bacana, que ajuda na digestão do grande volume de informações.

Você pode ler online online, ou comprar aqui.

Comments


JM

Já ouvi falar desse livro. Tenho um grande amigo que me citou duas vezes. Taí: vai ser o próximo que irei ler. Adicionei teu blogue nos meus favoritos, virei mais vezes, inclusive quando tiver lido o Zen.

Abraço



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