Os webcomics ainda são o melhor lugar para buscar inovação em quadrinhos, por conta da ausência de editores/intermediários e da disponibilidade. Mas de vez em quando os quadrinhos tradicionais revelam surpresas agradáveis como The 99 – ou The Ninety-Nine *para alguns, e *al-tisa’a wa tisaun para outros.
Produzido por uma editora do Kuwait, o gibi é co-escrito pelo seu idealizador, o médico humanista Dr. Naif A. Al-Mutawa e pelo americano Stuart Moore. Esta combinação (aliada ao trabalho visual de vários artistas populares dos comics Marvel/DC) dá ao quadrinho o tom multi-cultural que o diferencia.
A história não é radicalmente original: uma tentativa de evitar a destruição de uma biblioteca em Bagdá (nos moldes da Biblioteca de Alexandria, só que na Idade Média) por um ataque bárbaro transforma o conhecimento ali contido em 99 artefatos místicos, que se perdem durante a guerra. Na nossa época, o Dr. Ramzi dirige uma operação humanitária da UNESCO em zonas de guerra, enquanto busca estas relíquias, na esperança de que o conhecimento ali contido possa trazer a paz ao mundo atual.
Os artefatos começam a ser localizados por pessoas comuns, que descobrem que o conhecimento contido neles transformou-se em fonte de poderes especiais, levando o Dr. Ramzi a ajudá-los a controlar este poder e ajudá-lo em sua missão pacifista. Claro, ele não é o único com uma agenda, e a partir disso a história se desenrola.
Pode parecer, à primeira vista, uma versão islâmica dos X-Men. Mas o blend (ao menos nas três edições que li) é mais interessante que isso: mesmo sem o (justificado) rancor contra a autoridade islâmica de um Persépolis, ele tem em comum com a autobiografia de Satrapi a apresentação de valores humanistas e pacifistas nos quais uma parcela significativa do mundo árabe/islâmico acredita, mas que são mascarados por regimes retrógrados e violadores dos direitos humanos fundamentais.
Tudo isso vem embalado num quadrinho divertido que, nos moldes de suas contrapartes ocidentais, vai virar desenho animado em breve. Ele também já conta com um parque temático, e não vou me espantar se virar filme, na esteira dos blockbusters da Marvel dos últimos anos. A história tem todos os ingredientes necessários, só é preciso encontrar uma produtora com os culhões que faltaram ao Comedy Central – que, à revelia dos autores, censurou episódios de South Park por conta de referências a Maomé.
Mas a inovação não pára por aí: como a edição em papel tem alcance limitado, o mesmo site que disponibiliza a edição “Origins” gratuitamente para download, permite comprar qualquer uma das edições pela bagatela de US$ 1.99. Isso mesmo: por míseros R$ 3,55 você pode ler uma edição completa no seu computador, sem sair de casa. O pagamento é via PayPal, ou seja, 100% seguro – se você já tem PayPal, é clicar, autenticar, comprar e baixar. E o melhor de tudo: é um arquivo .PDF sem qualquer tipo de DRM. O gibi é seu, exatamente como os de papel.
Já comprei os dois primeiros e pretendo continuar lendo (cadê o genérico do iPad, hein?) – e acho que nesse aspecto da venda online as editoras americanas é que deviam se inspirar nos caras…