Esta época sempre me lembra uma história trágicômica dos primeiros anos do iG. Quando ela aconteceu eu era programador na equipe que cuidava, entre outras coisas, do sistema de publicação do Último Segundo, jornal online no qual se deu o “causo”.
Uma experiência que se tornou recorrente no portal foi a criação de campanhas temáticas que, durante um período de tempo, customizavam a cara e o conteúdo de um ou mais sites. No embalo de um sucesso anterior (creio que ligado a animais de estimação, não lembro ao certo), surgiu a idéia de criar uma data comemorativa: o Dia da Boa Notícia.
O mote: a imprensa só publica assassinatos, guerras, aumentos de impostos e coisas assim, e um dia em que se lesse apenas boas notícias seria uma mudança de ares. Além disso, o Último Segundo contaria com matérias especiais, que falariam de ONGs ou qualquer outra coisa “do bem” e seriam marcadas no publicador para aparecer com um destaque BOA NOTÍCIA bem chamativo.
Vários jornalistas foram contra – uma notícia é uma notícia, e não achavam certo deixar de noticiá-la, ainda que por uma boa causa. Mas a determinação foi mantida, e preparamos o sistema para operacionalizá-la. O teste de fogo do plano veio na madrugada, com o assassinato de um político, mas a direção do portal foi firme e resolveu manter a diretriz, não veiculando a notícia. A crise da madrugada foi superada, e o plano parecia infalível.
A alegria durou pouco: logo pela manhã aconteceu outra notícia nada boa: um avião se chocava contra uma das torres do World Trade Center, em Nova York. Isso mesmo, era o dia 11 de Setembro de 2001! A CNN reduziu sua pagina a uma foto e uma manchete, e os portais (incluindo a gente) lutavam para atender à enxurrada de pessoas que procuravam notícias em tempo real.
Os editores estavam a mil por hora, e pediram o ligamento e desligamento do “modo boa notícia” tantas vezes que o sistema mal tinha tempo de atualizar os caches entre uma ação e outra. Eventualmente decretou-se o fim da data comemorativa e o assunto permaneceu como tabu durante um bom tempo, mas sua sombra nos manteve cautelosos. Afinal, sempre existe o risco de se escolher justo o dia em que quase começa a terceira guerra mundial para não dar más notícias…
DISCLAIMER: Este relato não pretende qualquer desrespeito àqueles que perderam entes queridos nesta tragédia, tampouco aos profissionais de jornalismo do iG, muitos dos quais me ensinaram bastante sobre o assunto, só aumentando o orgulho de ter feito parte da “família do cachorrinho”. É só uma história que eu não quis deixar passar em branco.
Comments
CrisBertoni
Lembro alguns detalhes desses 2 dias:
- vários emails e ligações sobre a continuidade do "dia da boa notícia" depois das 23hs do dia 10/09 (uns 20mins depois de entrar no ar) - hora aproximada da notícia do assassinato do prefeito de Campinas.
- Lembro muito bem que um dos motivos que causou a demora para o fim do "dia da boa notícia" foi que NINGUÉM sabia que raios tinha acontecido com o WTC... até que o mundo inteiro viu ao vivo o que aconteceu com a segunda torre.
- Depois de retirada a checagem do flag começou uma briga maior ainda, a da retirada dos banners :oP
- Com certeza o dia que mais subi e desci escadas no iG - A redação ficava no 1o e nossa equipe no 6o.
PS: Da mesma forma que vc, eu tenho um orgulho imenso de ter trabalhado com jornalistas de primeira linha e ter feito parte daquela equipe técnica.
abração
chester
Sim, lembro bem de você correndo bastante por conta disso - contornando tanto a crise dos acessos multiplicados quanto a crise das informações desencontradas! Obrigado por completar o relato.
pahagon
Eu nunca me canso de ouvir essa historia.
chester
E nem eu de contar... :-) Aprendi muito por lá e só guardo carinho. Bem disse um dos meus ex-chefes, "o iG transforma gatinhos em leões".
Carina Martins
E eu estava editando a home.
Rá.
chesterbr
Pelo que eu soube recentemente (https://www.youtube.com/wat..., você estava fazendo muito mais que isso, Carina!
Respeito total por você ter sido a voz da razão nesse momento!