Está cada vez mais difícil convencer as pessoas de que eu não escolho meus trabalhos baseado no surrealismo das viagens decorrentes. Dessa vez foi um projeto em uma empresa canadense que me levou a passar uma semana em Doha, a capital do Qatar. Quem quiser pode ir direto para as fotos – ou então senta que lá vem história:
Embora o Qatar seja um emirado (i.e., administrado por um emir, de forma semelhante a uma monarquia), não faz parte dos Emirados Árabes. Era um protetorado britânico que ia vivendo remediado de pérolas e pesca, até que os japoneses os tiraram do negócio. Mas Alá foi generoso: eles vivem sobre uma reserva de petróleo e gás natural, e focaram a economia nisso. Nos anos 90 o então herdeiro do emir deu um golpe branco, tomando o poder durante uma viagem do pai.
O principal dividendo foi a aceleração do processo de democratização e desenvolvimento social: eleições municipais e parlamentares – incluindo o voto feminino – foram instituídas, e a lei islâmica, embora mantida, foi abrindo espaço para um estado mais liberal. A burca ainda é comum, mas as estrangeiras, por exemplo, já não usam. Eles ainda têm muito o que caminhar, mas é bastante progresso para pouco tempo. A presença massiva de estrangeiros (notadamente indianos) e os negócios com o ocidente seguramente influenciaram este movimento. Ah, e foi esse novo emir quem bancou (mas manteve independente) a Al Jazeera, a “CNN do mundo árabe“.
Assim como Dubai, eles têm infra para acomodar executivos estrangeiros com o mínimo de contato com o “mundo lá fora”. Mas é claro que eu quis pular isso: na minha primeira noite eu comi um arroz frito com falafel e suco de três sabores num lugar meio tosqueirinha – comida com fartura a um preço muito bom (~R$ 11) – provavelmente influenciado pelo câmbio deles, que é atrelado ao dólar – e este último não está no melhor dos seus momentos.
É muito sossegado andar por lá, de dia ou de noite – todo mundo arranha um pouco de inglês, e as ruas são muito seguras (imagino que a lei seja um tanto severa nesse sentido). Só é preciso prestar atenção ao fato de que ainda se trata de um estado islâmico: não é educado ficar tirando fotos das pessoas nas ruas, se dirigir às mulheres sem necessidade (o que eu acho meio triste, sem maldade, mas é o jeito deles) ou se vestir de forma extravagante.
Não deu pra fazer muito turismo: o pessoal lá começa a trabalhar cedo, por volta das 7 horas da manhã, e acaba indo até as 3 da tarde. A gente acabava ficando um pouco mais, e ao voltar para o hotel tinha mais trabalho. Mas consegui fazer três passeios: um ao Museu de Arte Islâmica (um prédio maravilhoso, mas cujo acervo parece um pouco reduzido – talvez os conflitos, cruzadas e tudo o mais tenham destruído muito dessa herança cultural), uma volta no Doha Corniche (a parte “Dubai-esca” do lugar, perto do qual comi aquele pão estilo sírio coletivo com temperos locais, muito bom) e uma visita ao Villaggio (shopping center que conta com parque de diversões, quadra de hóquei e até – pasmem – passeio de gôndola indoors).
Não sei se faria como viagem turística – são 13 a 15 horas de vôo entre São Paulo e Dubai, e 1h de conexão que não é exatamente ponte aérea (esperei 4h na ida e 9h na volta), mas pra quem tem coragem e grana é um jeito fantástico de conhecer o mundo árabe.